Depoimento de Hermes

Hermes

27 de abril de 2017, quinta-feira. Eram meus últimos dias de férias, e finalmente criei coragem pra realizar o sonho antigo de voar. Cheguei cedo, antes das 9h da manhã, e logo já me passaram os detalhes. O curso teórico do AFF começaria imediatamente, com previsão de durar o dia todo.

Se você é corajoso, o curso teórico te bota no lugar. Te mostram fotos de situações de emergência, explicam procedimentos, e se ainda não tinha caído a ficha você começa a perceber que aquilo não é montanha russa, ou brinquedo de parquinho de diversões. Tua segurança está nas tuas mãos. Os equipamentos são seguros, os instrutores são competentes, existem regras para proteger os atletas – mas, no fundo, a última linha de defesa é o próprio atleta.

Sério, que vão me jogar pra fora de um avião a 3700 metros de altitude (12000 pés) e eu vou ser responsável por chegar vivo ao chão? Quando eu tirei minha carteira de habilitação, os carros da auto-escola tinham comando duplo: besteira do aluno é corrigida pelo instrutor, sem maiores consequências. Mas no paraquedismo… e se o paraquedas não abrir? Se pousar fora da área, ou me enroscar com outro paraquedas? Ou se o vento ficar muito forte e me levar pra longe, ou se esquecer de puxar a \’cordinha\’ na hora certa durante o pouso, e se…?

Lidar com tantos riscos e detalhes desconhecidos te coloca onde você deveria estar, desde o início: sentadinho na cadeira de aluno, sem pretensões, ouvindo com atenção como se sua vida dependesse daquilo (e depende).

Várias horas e uma avaliação depois, estou pronto para o primeiro salto. Levanto da mesa onde fiz a prova, começo a me preparar para voltar pra casa com a sensação de dever cumprido: próxima semana farei meu primeiro salto de paraquedas.
Antes que eu possa ficar muito feliz comigo mesmo, vem o Timbó (instrutor que me deu o curso teórico):
– Vamos equipar?
– Como? Equipar o que? Não era depois, semana que vem?
– Tá com medo?
– Claro que não. \’Bora.

Macacão fechado, equipamento checado. No primeiro salto, dois instrutores te acompanham. Vamos eu, Timbó e Guga para o embarque, e o medo toma conta. O que eu estava pensando? O que leva uma pessoa a entrar por vontade própria em um avião e subir, com o firme propósito de não utilizar o avião pra descer? Neste momento eu entendi completamente o significado da palavra \’ca..ço\’. A única vontade que tinha era soltar o paraquedas no chão e correr para o meu carro, que não desgruda as rodas do asfalto e é bem mais confortável que aquele avião.

Mas eu já estava ali. Tinha dito ao Timbó que não tava com medo. Na minha cara tava escrito \’corajoso\’ (ou assim eu pensava). Até tentei sorrir, mas os lábios não obedeceram direito e o que saiu foi uma careta de assustar criancinhas, então desisti do sorriso.

Dentro do avião, as coisas pioram. É apertado, barulhento, você está todo amarrado e não consegue se mexer muito. Os minutos gastos pra atingir a altitude de salto foram provavelmente os piores da minha vida. Nunca me odiei tanto, e não repito os nomes dos quais me xinguei pra não tornar o conteúdo impróprio para menores. Subindo, me convenci de que o primeiro seria também o último salto. Apenas um fundinho de orgulho me impediu de desistir também do primeiro e pousar com o avião que é o que todo mundo com um pingo de bom senso faz.
Finalmente o avião atinge a altitude correta e a porta é aberta. Mais tarde, assistindo ao vídeo do salto, eu notaria que minha cara de corajoso estava longe de demonstrar qualquer tipo de coragem.

É neste momento, a 12000 pés de altitude, porta do avião aberta e nada me separando do abismo, que tudo muda. Assumo a posição combinada entre os dois instrutores na porta do avião, e realizo a contagem. Não pensei em desistir, não lembrei do medo. Só lembrava que precisava contar (referência, cima, baixo) e dar um passo no vazio.

Vai soar clichê, mas não tem jeito: é indescritível. Os primeiros segundos de queda livre (no meu caso, os primeiros segundos de queda livre da minha VIDA) te levam a um mundo diferente, onde não há peso e incrivelmente você não sente que está caindo. Para todos os efeitos, no seu cérebro a sensação é a de que se está voando. Depois de décadas de sonhos, eu estava finalmente voando. Não sentado em um avião, ou pendurado em uma asadelta ou paraglider. Não, nada disso. Nestes casos quem voa é o equipamento, na queda livre quem voa é você.

A 6000 pés, depois de aproximadamente 40 segundos voando (caindo), comando o paraquedas e o mundo finalmente volta ao normal. O medo volta, mas agora sob controle: tem um rádio no capacete pra me ajudar na navegação e pouso, o paraquedas aberto está estável. Mais alguns minutos e consigo pousar, seguindo as orientações do Timbó que já está em solo.

Tocar os pés no chão dispara uma descarga sei lá do que no meu corpo, e finalmente eu pude responder à minha própria pergunta: o que leva alguém a fazer isto? Não é loucura, não é irresponsabilidade, não é maluquice, não é irracional.
No momento em que você pousa após um salto de paraquedas seu único pensamento é \’quero ir de novo\’. Neste momento, saltar de paraquedas não é uma ideia absurda. É uma ideia óbvia.

Curso AFF concluído, o pensamento agora é outro: como eu pude viver tanto tempo sem saltar?

Timbó, Guga, Will, Negão, Bia: muito obrigado por me darem, em 7 saltos, as chaves para este novo mundo.
Não vou citar os nomes de todos os profissionais da Sky Company (os nomes acima são os instrutores que me acompanharam durante os 7 níveis práticos do curso), mas meu agradecimento se estende a todos. Muito obrigado, e parabéns pelo profissionalismo.

Nos vemos na área. Bons saltos, e pousos seguros. 🙂